Semana

07/02/2019 Nenhum comentário

As flores morreram na segunda. O sol se escondeu por trás das nuvens na terça. Na quarta, o sono só veio acompanhado pelo singelo aroma do shampoo de hortelã, no travesseiro. O céu chorou durante a quinta, assim como todos que chegaram a ver o seu sorriso. Plantou-se a mais bela flor, ao meio dia de sexta. No sábado, ao entardecer, caixas empilhadas guardavam uma vida inteira.  E domingo?  Não existia mais nada. Nada para fazer, ver ou sentir. Se foi o buquê, o sol, o cheiro no travesseiro, as lágrimas,  as caixas e você.  O vazio tão grande que tomou conta de tudo, tornou-se infinito.  Domingo alongou-se para sempre, como os finais felizes perseguem o imaginário infantil até a vida adulta. Mas como se bem sabe, alguns infinitos são maiores que outros, e logo o domingo foi engolido pela imensidão de uma nova semana. E na nova segunda não havia mais nada para morrer.

Esse violino não foi feito para tocar as mais belas melodias

01/06/2017 Nenhum comentário

Em alguns dias, parece que é impossível respirar. Parece que o mundo decidiu sentar em cima do peito, sem que nenhum ar possa entrar. Agora há outros que é exatamente o contrário. 
 Meus pulmões estão cheios. 
Transbordando. 
Como um refrigerante sob o sol no sertão da nordestino. A uma brecha de explodir. As partículas do gás se agitam e se chocam. Inquietas, os esbarrões são mais frenéticos, os espaço cada vez parece pequeno para tanta energia.
 A ponto que a única coisa a se fazer é descomprimir esse ar. E assim, ao relaxar o peito, abrir a boca, todo o ar se impulsiona violentamente para cima. Louco. Feroz e "livre".
Eu grito.Até meus tanques de ar se esvaziem. Até que as cordas arranhem e arrebentem. Esse violino não foi feito tirar as mais belas melodias. Deixo o vapor da lava que borbulha no sangue saia pela minha boca. E descomprima todo o estresse cotidiano, vindo da opressão dessa sociedade rígida patriarcal, hétero, cis e branca. Que faça, ao menos todo amontoado de merda que ela tacou em mim, ao longo dos anos, acumulado em meus pés, mais tolerável.

Tutti hablan portuguese brasileiro

16/05/2017 Nenhum comentário







E depois de três milênios sem colocar nada decente aqui, vai mais  uma playlist bem Made In Brasil, intitulada Tutti hablan portuguese brasileiro. Não tem só MPB aí, tem muita coisa misturada, do novo ao velho, bem gente como a gente mesmo.

Puf

16/04/2017 Nenhum comentário

Com papel e caneta crio planos. Quando levanto a mão os destruo. Puf. Tudo se torna poeira. A profecia de Marx se torna verdadeira, e o tudo que é sólido, realmente, se desmancha no ar.

Ambiciosa. Sonhadora. Criativa. A menina que aprendi ser, sempre sorri com os olhos para tocar o coração das pessoas, mas o seu próprio está fora de alcance. "A solidão é a ausência de si mesmo", fui tantas e serei tantas personas de quem quero ser, mas oca por eu não me pertencer.

O sorriso característico é treino. Olhares minuciosamente trabalhados no espelho. Músculos da boca repuxando para cima, em sincronia com o brilho nos olhos. Os cristais das lágrimas refletem o arco- íris para quem quer ver, afinal, é muito mais fácil disfarçar a minha terra arrasada com meus dentes. A alegria é fácil de ser vendida, é o pote de ouro guardado pelo duende que todo mundo jura que viu,  mas nunca reivindicou para si. Crio bolhas nesse mercado só para fazer alguém feliz.

Então sigo, com meu papel e caneta, criando planos. Montando o personagem de quem fingirei ser. É nesse momento que levanto os olhos do papel, e  vejo reflexo fraco e translúcido na janela. 
Sorrio.
Levanto a mão, e..

Puf.

A grande rachadura

07/03/2017 Nenhum comentário
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Essa noite o céu rachou em dois. Em cima da minha cabeça, um infinito cobertor negro, sem lua e nenhuma outra companha visível.  Sob meus pés, a terra se estendia e rolava para baixo do mirante, a sua peculiar galáxia surpreendia com a união dos sois e das luas. Essas que roubam a cena, finalmente dividindo o mesmo espetáculo em igualdade. E tendo eu e as reluzentes estrelas do chão como plateia.


No horizonte, os grandes opostos se encontraram, e deram as mãos. Juntos seguiram pela fronteira do visível, como rios de diferentes densidades que não se misturam, mas são, naquele momento, indissociáveis. Como irmãos. Como amantes. Cada um único com a sua própria complexidade, peculiaridade e imperfeições naturais ou tecnológicas, porém inegavelmente mais belos juntos.

Ei química, eu não te escuto mais

13/08/2016 Nenhum comentário

Ei, você!
Quanto tempo! Estivemos juntas por muito tempo, não é mesmo?
Me lembro do dia que nos conhecemos.
Após a aula, minha avó me levara em um salão pela primeira vez. Eu estava lá porque no dia anterior uma menina na escola havia me chamado de "cresbunda" (o cabelo que eu tinha na cabeça, ela tinha na bunda), e prática como a minha avó sempre foi, ela ergueu minha cabeça cabisbaixa, e me olhou nos olhos e disse "Levanta a cabeça, a gente vai resolver isso", do jeito que minha avó sabia, ela tomou as rédeas da situação.
Depois de duas horas sentada numa cadeira giratória, me sentindo um pouco intimidada no salão chique, tentei seguir as orientações "Senta reta e fica bem quietinha". Meus olhos e a cabeça ardiam do produto verde gosmento que uma moça de sorriso gentil passou no meu cabelo, e foi aí que eu te conheci.
Na distância de dois braços de mim, me encarando do outro lado do espelho, nós nos saudamos com um sorriso largo. Eu no auge dos meus seis anos de idade, senti que finalmente me enquadraria. Não havia nenhuma ondulação que me separava da "igualdade" e do "belo". A professora finalmente poderia passar a mão no meu cabelo, como ela fazia com todas as outras meninas. Desse dia em diante, nos tornamos inseparáveis, não é mesmo?!
Eu lembro de você, quando periodicamente mediamos com raiva a raiz no espelho, não vendo a hora de passar o produto "mágico" de novo. Você esteve comigo quando ainda assim, faziam piada comigo na escola, porque meu cabelo não era "baixo o suficiente". Foi aí que começamos o combo relaxamento+ progressiva a cada dois meses, junto com a escova e prancha, toda semana.
Juntas, olhávamos encantadas os longos cabelos naturalmente lisos ou levemente ondulados das amigas. No fim, sempre batia aquela pontada que nunca seríamos assim.
Com você, as piscinas ficaram cada vez mais raras com o passar dos anos, assim como danças na chuva. Nas férias passar uma semana na praia era basicamente um pesadelo capilar, afinal significava sete dias com tudo aquilo que eu tinha na cabeça preso, num coque firme.
Lembra quando tínhamos que mapear na semana quando ia marcar a data do salão? Porque tinha judô duas vezes na semana, e isso significava dolorosamente "adeus, escova" e ela tinha que durar o máximo possível.
Nós tivemos nossas divergências, como no dia em que você concordou com a minha colega quando ela disse " X é bonita, mas ela tem que dar um jeito no cabelo dela. Horrível, parece bombril."
Ou quando minha amiga discordou da descrição do personagem que eu havia escrito dela porque o cabelo da personagem "parecia crespo".
Você leu comigo todas aquelas sagas de jovens de "Longos cabelos castanhos" que prendiam preguiçosamente o cabelo em um coque frouxo e a pele era alva.
Você viu comigo todos os filmes, em que negras eram as empregadas, as melhores amigas de duas falas, ou a cabelereira descolada. Você, sussurrou no meu ouvido "Ei, isso é normal. Elas não são bonitas o suficiente", tentando acalmar o descontentamento e minha inconformação.
Você repetiu essa frase, várias vezes, até que eu passei acreditar. Afinal, eu só via isso. Eu só conseguia perceber meu redor na sua verdade. Amaldiçoei dezenas de vezes meus antepassados com ira, por culpa deles eu era assim. Minha pele era escura demais. Meu cabelo duro demais. A boca muito grande. O quadril muito largo. Você do outro lado do espelho, confirmava tudo isso.
Precisaram de algumas várias aulas de histórias sobre a continente africano, de aulas de geografia sobre desigualdade, aulas de português com professoras que falavam sobre preconceito, sobre padrão de beleza eurocêntrico para eu ver, a verdade. A verdade que você estava errada. O tempo todo.
E me perdoe o palavrão ,mas PUTX* MERDA, foi muito quando essa ficha caiu. Na mesma época, em que comecei a ver mulheres abraçando o seu corpo. Levantando a bandeira da negritude e sim, que o afro é lindo e é PODER.
O engraçado foi, quando fomos relaxar o cabelo mais uma vez, como sinal dos deuses, que adoram ensinar por tragédia, minha cabeça foi queimada brutalmente pelo produto. Você tentou me acalmar, porque as feridas não permitiam eu pentear o meu cabelo, porque sangrava cada vez que tentava ajeitá-lo. Foi então, que vi, que nós duas juntas não dava mais certo.
Dois anos atrás eu decidi, lhe dizer adeus. Foi difícil tomar essa decisão, mas foi extremamente libertador, você não dominava, apenas meu corpo, e sim minha mente e meu comportamento. A caminhada foi árdua, descobri que 13 anos se diminuindo, e com autoconfiança abalada precisa de um esforço danado para criar uma base mais sólida, precisei estudar muito e de muita ajuda. Mas hoje, sem qualquer traço de você, sou mais do que qualquer dia fui. A transição capilar me permitiu ver a importância de se perceber como negra, de levantar a bandeira dos meus ancestrais, de exaltá-los pela sua resistência, empoderamento é uma coisa linda, você não tem noção.
Envio, essa carta para o passado, para as fotografias antigas, por que você não pertence no meu presente e nem mesmo no meu futuro. Afinal, não há alegria maior do que olhar o meu reflexo e finalmente me ver, me enxergar, por fora, como reflexo de dentro, e melhor sem qualquer fragmento de você.
Então, um beijo para a Ana( lisa), amônia, guanidina, para meus preconceitos, para o secador e chapinha, não quero ver vocês nunca mais!
 
Desenvolvido por Michelly Melo.